quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Banho de Feijoada

 

BANHO DE FEIJOADA

«Em «dia de alevante» (...) todos se enferrolhavam com trancas, não fosse o medo de alguma cacetada.

Mulheres com foices. Homens com forretes. Era mesmo p'ra matar!

As mais afoitas saíam com Jacinta Taramela, também conhecida como Jacinta Garalha, que apitava o búzio em Santo Antão e comandava a marcha forçada Vila abaixo, até à «Senhora Cambra».

- «Temos fome, não há milho! Vai haver porrada!»

Os berros vinham de dentro, pois farinha de carrilho, serpentina do mato e papas de feito, nem os porcos tragavam.

O comércio fechava. As autoridades mantinham-se silenciosas. Ninguém aparecia.

Mas um dia a violência aumentou e a ameaça de arrombar a porta da casa do Administrador fê-lo aparecer à varanda.

O homem era uma trave! Quinze arrobas bem puxadas, beiços grossos, e inchado como uma «alimária».

Que grande cagaço apanhou ele, nesse dia, pois a coisa estava mesmo feia!

Começou por gaguejar, que não havia milho na Ilha, que iria daí a bocado no barco para São Miguel, expôr o problema ao Governador do Distrito. Estava tão nervoso e julgando-se naturalmente já a bordo, vomitou sobre a população «uma quarta de feijão bem medida».

O milho sempre veio. A lição serviu de emenda, mas o pior foi o banho de feijoada que deixou todos em estado lastimoso.»


- in "Memórias da Minha Ilha", Padre Jacinto Monteiro - 1982 (https://goo.gl/mCS4Lj)

- Foto: José Pires Marinho, in “Álbum Açoriano” (1903) | Fonte: Centro de Conhecimento dos Açores

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Milagre na Ermida de Nossa Senhora da Conceição

 

Milagre na Ermida de Nossa Senhora da Conceição


«Localizada no Largo Sousa e Silva, esta ermida é também conhecida por Santa Luzia e está situada junto ao Forte de S. Brás, no cimo da Rocha onde principia o burgo de Vila do Porto. (...)

Segundo a tradição no ano de 1576, por altura da invasão de Vila do Porto por piratas franceses, terá ocorrido um milagre, quando o padre Baltazar de Paiva tentava retirar o Santíssimo Sacramento para o colocar em lugar seguro. No decurso da operação a porta lateral sul por onde tinha entrado foi cercada pelos invasores, tornando impossível a sua saída. Subitamente abriu-se a porta lateral norte (que não abrir por dentro), dando azo a que Baltazar de Paiva concretizasse a missão a que se tinha proposto. Tal facto foi interpretado como tendo sido fruto da intervenção divina»


"Memórias da Minha Ilha", Padre Jacinto Monteiro - 1982 (https://goo.gl/mCS4Lj)

Foto: Ângela Loura 

Dona Virgínia

 

DONA VIRGÍNIA
«Dona Virgínia (...) era muito compreensiva e não menos tolerante à fragilidade humana, somente não podia com bêbados. Verdadeira fobia! E por azar toda a vida fora vítima deles. Mal os via aos tombos, não se continha, era superior às suas forças:
- «Grandessíssima pipa, barril ambulante, desgraçado, desinfeliz, mete-te em casa...»
Não admira que impropérios destes exasperassem os «amantes de Baco».
Numa noite meteu-se com o «Tarro», homem fortíssimo - o mais forte de toda a ilha e talvez seu afilhado.
- «Cara sem vergonha... Sepiterno valdevinhos, vai ter com a tua mulher!»
Depois destas admoestações pressentiu que iria ser perseguida, por aquilo que dissera; enfiou-se em casa de sua comadre Jesuína do Mestre Joaquim. Daí a momentos, de facto, o Tarro estava a preparar-se para meter a porta adentro. A pobre velhinha receando ficar com a casa arrombada, a tremelicar, cheia de medo, deixou-o entrar...
- «Ai tais trabalhos! Aqui d'El Rei quem me acode! Ai Jesus!» Dona Virgínia gritava como as galinhas quando vêem furão ou «bilhafre da rocha» a rondar a capoeira. O pândego, para seu divertir, agarrou as duas múmias e sentou-as em suas enormes pernas. Durante uma hora ou mais, não parou de fazer de cavalinho como se fossem crianças.
Dona Virgínia esgatanhava-o todo, cuspia-lhe, berrava, ao passo que a senhora Jesuína, muito mais prudente, aconselhava a desatinada comadre a acalmar-se. Porém o «velhaco» queria precisamente divertir-se com aquela brincadeira.
E aos solavancos, a pobre velhinha dizia:
- «Quanto mais a comadre gritar pior é, tanto para si como para mim...»
Lá quando Deus quis, o bêbado deixou as «pobres» em paz. Caíram de cama, em «panos de vinagre», sem se poderem mexer, todas «escangalhadas».
Dona Virgínia, na sua paixão, gritava:
«Ai os meus rins
Ai as nhas cadeiras
Não digo o resto
Que são asneiras».»

- in "Memórias da Minha Ilha", Padre Jacinto Monteiro - 1982 (https://goo.gl/mCS4Lj)
- Imagem: Márk Laszlo

A Boleia

 

"A BOLEIA"


«(...) Apesar disso [os Americanos] eram bastante simpáticos com a população. Quem quisesse pedir «boleia» bastava dar sinal de «STOP» e imediatamente paravam.

Um dia, uma mulherzinha de São Miguel meteu-se num camião, mas, como não se fazia entender, ao passar pelo sítio onde desejava ficar, atirou-se do veículo em andamento, ficando com cabeça rachada, em mísero estado.»


- in "Memórias da Minha Ilha", Padre Jacinto Monteiro - 1982 (https://goo.gl/mCS4Lj)

- Foto: José Pacheco Toste - Photographia Central - Foto Toste | Fonte: ICPD/Coleção Fotográfica Digital: PT/ICPD/CFP.01009 (https://bit.ly/PTICPDCFD01009) 

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

"IES"


 "IES"


«Porém, na década de quarenta, enorme mudança houve, «nanja» na Serra que se manteve conservadora durante mais tempo. Esta viragem ficou a dever-se à vinda dos Americanos, que inesperadamente, de um dia para o outro, trouxeram a técnica mais avançada para a construção, em dez meses de uma base aérea. (...)

Na Vila todos os baixos das casas passaram a cafés, restaurantes e ourivesarias. O dinheiro rolava de tal maneira que apodaram Santa Maria de «América Pequenina». Toda a gente tinha a mania de falar inglês, o que levou a cenas cómicas como a de mulheres honestas que, sem perceberem as propostas mal intencionadas dos Americanos, diziam "ies" e, depois quando eles entravam portas adentro, (visto por costume estarem sempre abertas), começarem aos gritos de «Aqui d'El Rei, quem me acode», chegando às vezes a meter a Guarda Republicana.»


"Memórias da Minha Ilha", Padre Jacinto Monteiro - 1982 (https://goo.gl/mCS4Lj)

Foto: panoramio.com (18810534) 

Os 'saca-rolhas'


 Os 'saca-rolhas'


«Aqui e além tabernas de petiscos de vinho de cheiro, a loja de fazendas do senhor Morais e três mercearias que vendiam petróleo, sabão, açúcar e fósforos, porquanto as quintas e os quintaizinhos abasteciam do resto.

Tirante o estabelecimento de atacado do senhor José Filomeno, o comércio era tão reduzido que uma vez Joaquim do Ginjal encomendou para o Continente uma dúzia de saca-rolhas, mas por engano esqueceu-se de pôr nesta palavra o traço de união e remeteram-lhe doze sacas de rolhas, que abasteceram o mercado durante mais de vinte anos.»


"Memórias da Minha Ilha", Padre Jacinto Monteiro - 1982 (https://goo.gl/mCS4Lj)

Foto: Etsy.com

Macabros Entaipados

Macabros Entaipados

«Em frente à Matriz, na presumível casa de Gonçalo Velho, viviam recatadamente as Senhoras Inácias (Amarais). Uma delas, a Dona Cleta fizera voto de ficar muda para o resto da vida, depois de ouvir o padre da missa abreviada.

Dizia-se que a casa era «assombrada», que se ouviam terramotos e arrastamento de correntes; o certo é que há perto de cinquenta anos, quando a demoliram, encontraram um esqueleto de mulher entaipado no poial.

Outros achados macabros também apareceram ao restaurarem o hospital novo.»


"Memórias da Minha Ilha", Padre Jacinto Monteiro - 1982 (https://goo.gl/mCS4Lj)

Foto: http://goo.gl/YzrIi4

 

O Epitáfio Misterioso

 

O Epitáfio Misterioso


«A Igreja da Conceição da Rocha, primitiva Matriz, também conhecida por Santa Luzia era local onde, todos os anos a gente da Serra, cumpria as suas promessas, oferecendo-lhe «os olhinhos vivos» - galinhas, marrecos, perús e outras «aves de pena» pois por sua intercessão caíam os «agreiros da vista» sem ser preciso a intervenção do Guarda-Mor de saúde. À entrada desta ermida vê-se uma campa rasa de cantaria que Ti José da Misericórdia, de barbichas brancas, ceguinho, com cara de pargo velho, esgravatando com o seu bordão, conseguia ler um suposto epitáfio, que ninguém era capaz de decifrar: 


AQUI JAZ UM ERMITÃO

CUJO NOME, NÃO SABEM

NEM SABERÃO.»


"Memórias da Minha Ilha", Padre Jacinto Monteiro - 1982 (https://goo.gl/mCS4Lj)

Foto: http://goo.gl/D9XtnE

𝐀𝐮𝐭𝐨𝐜𝐨𝐥𝐚𝐧𝐭𝐞 𝐝𝐨 𝐬í𝐦𝐛𝐨𝐥𝐨 𝐝𝐨 𝐅𝐞𝐬𝐭𝐢𝐯𝐚𝐥 𝐌𝐚𝐫é 𝐝𝐞 𝐀𝐠𝐨𝐬𝐭𝐨. 𝐀𝐮𝐭𝐨𝐫𝐢𝐚 𝐝𝐞 𝐀𝐧𝐭𝐨𝐢𝐧𝐞 𝐝𝐞 𝐋𝐚𝐛𝐨𝐫𝐝𝐞 𝐍𝐨𝐠𝐮𝐞𝐳.

  𝐀𝐮𝐭𝐨𝐜𝐨𝐥𝐚𝐧𝐭𝐞 𝐝𝐨 𝐬í𝐦𝐛𝐨𝐥𝐨 𝐝𝐨 𝐅𝐞𝐬𝐭𝐢𝐯𝐚𝐥 𝐌𝐚𝐫é 𝐝𝐞 𝐀𝐠𝐨𝐬𝐭𝐨. 𝐀𝐮𝐭𝐨𝐫𝐢𝐚 𝐝𝐞 𝐀𝐧𝐭𝐨𝐢𝐧𝐞 𝐝𝐞 𝐋𝐚𝐛...